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Cattleya granulosa Lindl.

Resumo do estudo sobre o habitat e as variedades de Cattleya granulosa na Restinga do litoral norte do Rio Grande do Norte

    O Rio Grande do Norte é um dos estados brasileiros pobre no que se refere a variedade de orquídeas, no entanto, o meio ambiente presenteou esta terra com uma das mais belas e robustas orquídeas bifoliadas: a Cattleya granulosa. Esta espécie é encontrada nos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Paraíba com menos freqüência. A Cattleya granulosa tem como o seu estado de maior concentração de indivíduos na natureza o estado do Rio Grande do Norte. A Cattleya granulosa aparece numa faixa que varia do litoral até 20km continente adentro. Sua ocorrência fica restrita somente à área litorânea que vai do município de Canguaretama, na divisa com a Paraíba, até o município de Touros. Devido às condições climáticas e vegetativas diferenciadas, não ocorrem indivíduos além do município de Touros até a divisa com o estado do Ceará, na chamada Costa Branca.

     No Brasil, há ocorrência de Cattleya granulosa no Nordeste e também um pequeno braço de ocorrência no Sudeste, que até um tempo eram chamadas de Cattleya Schofieldiana, porem estudos comprovam que são a mesma planta com algumas modificações ou adaptações locais.   Algumas publicações sugerem a ocorrência de Cattleya granulosa em outros países da América Central e do Sul. Provavelmente erros de publicação que tem origem na época da corrida pela busca de novas espécies de orquídeas patrocinadas pelas grandes empresas europeias no novo mundo, quando as embarcações passavam por vários locais e saíam coletando exemplares de orquídeas. Ao chegarem na Europa com grandes quantidades de plantas não conseguiam identificar a área ou país de origem de maneira correta.

      Em Pernambuco e na Paraíba, a área de ocorrência da Cattleya granulosa tem um alcance que vai do litoral para o interior do continente, em áreas de grande altitude (próximo de 1.000m) abrangendo a mesma área de ocorrência da Cattleya labiata.

    De certa forma, pode-se dizer que a existência de grandes concentrações de Cattleya granulosa no RN é influenciada pelos ventos carregados de sais (maresia) trazidos pelo Oceano Atlântico. Seu habitat é restrito à região de dunas, principalmente nas áreas de formação vegetativa pioneira em que há grande influência marinha (restingas arbustivas ou arbóreas). A deficiência de um dos fatores citados anteriormente poderia explicar o fraco desenvolvimento da espécie, quando cultivada em áreas sem a presença do mar ou regiões fora do Nordeste.

      O que chama a atenção na distribuição geográfica da Cattleya granulosa em uma determinada área é a disposição dos indivíduos. Ao observá-las a impressão que se tem é que há uma faixa de aproximadamente 5m de largura que sai da direção do mar para o continente, acompanhando rigorosamente a brisa marítima, com grandes concentrações de indivíduos. Saindo-se dessa faixa não há indivíduos. Depois de muitos metros ou quilômetros dessa faixa de 5m é que podemos encontrar outros nichos de indivíduos, ou seja, a brisa contribui como um dos principais elementos de dispersão das sementes.

 

      Quanto à estatura, quando as plantas estão próximas ao chão, os exemplares tendem a ter um aumento na estatura, em média, cerca de meio metro, porém já foram vistos plantas com mais de 1,5m. Quando estão localizados mais para cima, próximas da copa dos arbustos ou árvores, os indivíduos tendem a sofrer uma redução no porte, porém podem continuar ou não com grande robustez.

 

     Na literatura, equívoco se comete quando se diz que a Cattleya granulosa pode se apresentar em uma forma terrestre. Sempre que um indivíduo vai para o chão, o mesmo foi submetido a esta condição porque a planta que o servia de suporte cedeu ou apodreceu. Isso ocorre porque a camada de folhas mortas existente abaixo do arbusto geralmente é fibrosa e o terreno arenoso (não acumula água). Dessa forma, planta consegue se adaptar e crescer ali, dando a impressão errônea de que assumiu uma forma terrestre. A Cattleya granulosa é uma planta exclusivamente epífita, ou seja, utiliza formações arbustivas ou arbóreas apenas como suporte de fixação e não como alimento, como é o caso das plantas chamadas parasitas.

     A mistura de detritos vegetais e animais que existem nas dunas (restingas) produzem um tipo de turfa fibrosa na superfície do solo semelhante a consistência do xaxim que serve de apoio para muitas plantas epífitas no qual o suporte cedeu.

     Deve-se observar também que muitas plantas, embora estejam localizadas muito próximas do solo na base da planta suporte, não lançam as suas raízes em direção ao solo, no máximo, as raízes são lançadas na cobertura vegetal decomposta descrita anteriormente.

      A biomassa de insetos e artrópodos de carapaça dura existentes no habitat da Cattleya granulosa é imensa, o que certamente contribui com a presença do elemento cálcio e outros elementos de origem orgânica para compor a nutrição dos indivíduos na restinga.

  Aranhas e formigas das mais variadas espécies e tamanhos, abelhas, lagartos, vespas, escorpiões, borboletas, mosquitos, moscas, pássaros compõe um bioma único e rico nas áreas de ocorrência de Cattleya granulosa. 

 

     As folhas da Cattleya granulosa são oblongo-lanceoladas e normalmente se apresentam em dupla, no entanto, em alguns casos que a planta atinge níveis de nutrição excepcionais, podem aparecer três folhas por pseudobulbo.

   A coloração das folhas, caracterizada como verde-esmeralda a cor padrão, pode apresentar diferentes variações mais escuras para ambientes mais protegidos e mais claras para ambientes mais expostos ao Sol.

       No habitat de Cattleya granulosa é comum a existência de exemplares a sol pleno, porém essa condição ocorre, geralmente, quando a planta suporte padece perdendo a cobertura de folhas que antes servia como proteção às fortes radiações solares. Nesse caso, a planta reduz a sua estatura e atarraca-se aumentando a consistência serosa das folhas, que se tornam mais grossas, enrugadas e de um tom de verde amarelado. Em áreas de desmatamento constante ocorre a retirada da parte superior dos arbustos utilizados pela população local para fins de extrativismo. Muitos indivíduos localizados na base desses arbustos cortados acabam nitidamente reduzindo o seu porte e atarracam-se, o que se comprova facilmente pelo histórico de pseudobulbos da planta.

      As florações da Cattleya granulosa no estado do Rio Grande do Norte se iniciam pelo litoral norte do estado e vão se extendendo para o sul gradativamente. As primeiras floradas podem ser observadas já em meados de junho ou julho mais ao extremo do litoral norte, principalmente em áreas localizadas mais para o interior nas imediações de Punaú, Touros e Pititinga, próximas ao campo eólico existente na região.  Nas demais localidades as floradas vão ocorrendo até meados de dezembro. No entanto, foram encontrados exemplares floridos até fevereiro na natureza. O pico das florações se dá entre final de agosto e final de outubro.

  Em nosso viveiro, onde as Cattleya granulosa propagadas por semeadura estão sendo cultivadas, observamos duas florações na mesma estação em aproximadamente 30% dos exemplares cultivados: uma em meados de agosto e outra no final de novembro. Acreditamos que isso ocorre porque mantemos uma rotina de regas diárias constantes o ano todo no viveiro, o que não acontece na natureza, pois o período de estiagem que vai de outubro a abril no litoral do Rio Grande do Norte força a planta a um período de dormência. De certa forma, sempre observamos um ou outro exemplar florido em outras épocas, fora da época padrão, em nosso cultivar.

     Plantas mais fortes e imponentes são encontradas mais ao norte do litoral do Rio Grande do Norte enquanto que, nas localidades mais ao sul, já próximo a Genipabu e Pitangui as plantas assumem uma forma mais singela, embora não menos robustas.

      As maiores concentrações de indivíduos por metro quadrado, via de regra estão próximas a lagoas ou áreas alagadiças. Em meados de 1999, quando começamos a observar as populações de granulosas nos habitat, encontramos uma concentração fora do comum de plantas na área nordeste da Lagoa de Genipabu junto ao município de Extremoz. Isso também aconteceu em outros locais como em Pititinga, Pitangui, e Punaú. Infelizmente, com a coleta predatória, quando a área foi tombada como área de preservação permanente, cinco anos mais tarde, já não existiam mais do que 20% da população de Cattleya granulosa na área.  Isso se agrava com o passar dos anos, pois empreendimentos imobiliários avançam restinga adentro.

 

      As flores da Cattleya granulosa tem sépalas laterais ensiformes e oblíquamente dirigidas para baixo. Pétalas oblongo-ovais e onduladas. Labelo trilobado com lóbulo terminal reniforme, emarginado, ondulado, brando e dotado de saliências esféricas carmim, ou grânulos, que fazem alusão ao nome da planta.

   Quanto melhores são as condições de cultivo e a nutrição da Cattleya granulosa, mais perfeita e exuberante são as flores produzidas. Talvez isso explique porque é muito difícil existirem exemplares dessa espécie premiados em exposições fora da região Nordeste.

 

     Quanto ao número de flores por indivíduo, podem ser observadas desde uma até vinte flores por haste floral, mas na maioria das vezes apresentam três ou quatro. A maior florada que observamos em um habitat foi vista na localidade de Pititinga, oportunidade que infelizmente não pudemos retratar pois não estávamos equipados com máquina fotográfica. A planta estava localizada na base de um tronco de Ubaia (árvore típica da região preferida como suporte pelas Cattleya granulosa) e seus pseudobulbos ultrapassavam toda a altura da planta suporte com mais de 1,5m de altura de onde saíam grandes folhas com mais de 30cm de comprimento, apresentava 20 flores que na oportunidade ainda não estavam abertas, eram apenas botões.

     O perfume de baunilha adocicada produzido principalmente pela manhã é realmente impressionante. Houve casos em que não se podia ver a planta na mata, mas se sabia que ali existia um exemplar justamente pelo odor. Por ocasião do cheiro, podemos verificar que os principais polinizadores das flores da Cattleya granulosa são insetos. Conferimos, em exemplares floridos no orquidário, a presença de uma abelha verde-claro de carapaça metalizada endêmica do Rio Grande do Norte que sempre visita as flores e as poliniza.

 

     A cor padrão da Cattleya granulosa é o verde-oliva com pequenas marcas ou manchas púrpura, porém a gama de cores existentes nas sépalas e pétalas variam muito. Praticamente não existem exemplares iguais na natureza. Padrões genéticos se entrelaçam e fazem aparecer plantas de colorações amareladas, marrons, alaranjadas, rosadas, verde-claro e vermelho-cereja. Podemos fazer uma analogia dos padrões de cores da Cattleya granulosa de acordo com os habitat estudados. No litoral norte mais para o interior na localidade de Punaú, predominam as cores avermelhadas e amareladas, mais para o litoral ainda em Pititinga predominam as cores marrons clara, rosadas e alaranjadas. E descendo mais para Pitangui, encontramos as melhores plantas de forma, com labelos espetaculares e variando desde os tons verde-claro até o amarelo.

       A avaliação dos aspectos cromatológicos das padronagens de cores da Cattleya granulosa devem ser realizados até no máximo 07 dias após o desabrochar dos botões, após esse tempo, começam a aparecer variações das cores. Esse fato deveria ser levado em consideração nos julgamentos das exposições uma vez que, em um grupo de indivíduos, o tempo de abertura das flores nem sempre é igual, logo, pode-se fazer uma avaliação errônea da textura e das cores das flores.

     Nas primeiras vezes que visitamos o habitat de Cattleya granulosa é comum observarmos plantas floridas de coloração bege-clara ou palha misturadas em um mesma touceira com outras cores mais fortes. Esse é justamente o problema da cor: as flores são claras porque estão mais tempo abertas. Já as flores mais coloridas e vivas são as mais recentes. O sol é responsável pela descoloração gradual das florações. Dessa forma podemos pensar que em uma mesma touceira, numa mesma planta, existem flores de cores diferentes, o que não é verdade. Mas, podemos ter em uma mesma touceira, numa mesma planta, flores de forma diferente.

 

  Podemos achar também touceiras grandes formadas a partir de dois ou mais exemplares diferentes, de flores, portanto, também de cores diferentes.

     A grande variação das padronagens das cores de Cattleya granulosa é um dos motivos pelos quais se torna muito difícil agrupá-las em variedades distintas. Isso também explica o fato de não termos variedades de clones ou plantas excepcionais conhecidas no qual se dá um nome mais específico. Essa situação deixa a Cattleya granulosa como uma espécie sem muitos referenciais para o mundo orquidófilo e a coloca numa posição de desvalorização tanto econômica como estética, diferente da Cattleya labiata como, por exemplo, os clones semi-alba "Marina" e Rubra "Guerreiro". Todos conhecem uma Cattleya labiata semi-alba "Marina", mas no entanto, não conhecem Cattleya granulosa rubra "Eds Mattos" e por aí vai.

    A presença de pintas e retículas nas pétalas e sépalas da Cattleya granulosa é um espetáculo à parte. Podemos encontrar plantas altamente pigmentadas, outras com a presença de retículas púrpura, outras em que as pintas de juntam formando desenhos encantadores. Quanto aos labelos, as cores variam de púrpura até uma mescla de tons de amarelo, vermelho e branco.

       Quanto aos padrões coeruleo de labelo, ainda não encontramos ao longo desses mais de 15 anos de estudo nos habitat, uma planta que traduzisse essa variedade fielmente, do mesmo modo a planta alba, só vista nos últimos anos por fotografia. Temos alguns exemplares no orquidário com labelo quase livre de grânulos púrpura. Isso nos leva a crer que devem existir exemplares albinos ainda não descobertos nas matas do RN.

     A insolação diária existente na região das dunas (restinga) também é pré-requisito para o sucesso do desenvolvimento da Cattleya granulosa. O número de horas de luz que a planta recebe, influencia de maneira direta o crescimento e a estatura da Cattleya granulosa. Alguns exemplares foram cultivados recebendo de 4 a 6 horas de insolação no viveiro e o resultado desse cultivo não foi bom, pois as plantas não cresceram e apresentaram retardamentos em todos os segmentos da planta. Além disso, as plantas que conseguiram florescer não passaram de 1 ou no máximo 2 botões, que muitas vezes não completavam o seu ciclo e abortavam antes de abrir.

 

     Se o estado do Rio Grande do Norte é conhecido como a terra do Sol pelo reduzido número de dias com precipitações, então podemos chamar a Cattleya granulosa como a orquídea do Sol.

     A observação a respeito do número de horas de insolação que a planta deve receber é vital para o cultivo da Cattleya granulosa em viveiros e também nos leva a entender porque é difícil cultivar muitas orquídeas, principalmente as dos gêneros Cattleya e Vanda, em apartamentos.

 

    O nicho ecológico escolhido pela Cattleya granulosa é muito específico e marcante. A presença de algumas formações arbustivas e arbóreas podem determinar a presença da Cattleya granulosa. Para citar apenas as mais representativas temos a ubaia (Eugenia Uvilha) como a principal e também a preferida para suporte e fixação da Cattleya granulosa, batinga (Eugenia prassina), murta (Eugenia insípida), camboim (Eugenia crenatal), guabiraba (Eugenia sp.), araçá de boi (Psidium sp.), mangaba (Humiria balsamifera), caju (Anacardium occidental), maçaranduba (Maythenus erythroxilon), ameixa (Ximenia americana) e o facheiro (pilosocereus sp.).

  Juntamente com as formações arbóreas e arbustivas citadas anteriormente, temos várias espécies de bromélias (Aechmea principalmente) e de outras orquidáceas, sendo as mais representativas o Cyrtopodium, Encyclia longifólia, Anacheilium fragans, Vanilla, Polystachya concreta, Brassavola sp. e Oncidium sp.

 

     Há uma observação muito importante sobre a Cattleya granulosa que se refere ao abafamento de alguns locais onde os indivíduos se encontram. Essa peculiaridade de crescer abaixo dos arbustos próximo do chão na região de dunas faz com que a planta fique submetida a altas temperaturas, e, em certos locais, é nítida a sensação de falta de circulação de ar. Acreditamos que a planta suporta essas altas temperaturas sem prejuízos porque a umidade torna-se escassa nos horários de pico de calor e impede o surgimento de agentes patológicos prejudiciais à planta como fungos e bactérias.

     Finalmente, praticar o desenvolvimento sustentável, tais como as políticas de combate à avassaladora depredação pelo ramo imobiliário, conhecimento e consciência do nosso patrimônio e bens naturais e respeito às áreas de preservação podem ajudar a salvar a Cattleya granulosa do extermínio.

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